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O cenário cinematográfico do horror no Brasil

O cinema de terror nacional pode ser considerado um gênero voltado para uma parcela bem específica do público, mas vem crescendo nos últimos anos. Desde as obras de José Mojica Marins, popularmente conhecido como Zé do Caixão, responsável por inspirar e influenciar tantos outros cineastas, o cinema fantástico no país nos últimos tempos não apenas se destacou com longas acima da média, como inclusive “foi o melhor da produção nacional em muitas ocasiões”, conforme afirma nosso entrevistado, o jornalista Carlos Primati.

Para entendermos melhor o assunto, conversamos com o especialista no cinema de horror brasileiro. Crítico, editor, tradutor literário e pesquisador do cinema fantástico, Primati também é curador de inúmeros festivais do gênero no Brasil, como o Rio Fantastik Festival, além de publicar inúmeros artigos em livros sobre a obra do cineasta José Mojica Marins e sobre o Horror no Cinema Brasileiro. Confira a entrevista a seguir.

 

Carlos Primati. Foto: Cauê Porto

 

Darkflix: Quando pensamos no cinema de horror no Brasil, logo vem à mente o Zé do Caixão, nosso saudoso Mojica. Você acredita que ele abriu portas e incentivou o cinema do gênero no pais?

Primati: O Mojica é incontestavelmente o grande pioneiro e o maior realizador de filmes de horror no Brasil. Foi um mestre do gênero, sempre à frente de seu tempo, portanto foi um autêntico vanguardista, sempre inquieto e atento às transformações do cinema, do gênero e da sociedade. Mais do que um diretor de horror, ele foi um cronista da realidade brasileira, soube retratar como poucos os cidadãos da camada mais simples da população, ao mesmo tempo que sabia observar a falência das autoridades, a hipocrisia dos políticos e de líderes religiosos. Enquanto esteve na ativa, o Mojica foi debatido, discutido e exaltado, e esteve presente em todas as pequenas ondas e ciclos de horror no Brasil, colaborando, inspirando e influenciando outros cineastas, como Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Iberê Cavalcanti, Jean Garrett, Fauzi Mansur, Rosângela Maldonado, Ivan Cardoso, Dennison Ramalho, Rodrigo Aragão, Paulo Biscaia Filho, entre tantos outros. Mojica foi muito mais do que Zé do Caixão, e sua contribuição para o gênero será sentida por décadas ainda.

 

Darkflix: Você acredita que existe preconceito contra o terror e o cinema fantástico no Brasil?

Primati: O que existe é o preconceito em relação ao cinema brasileiro, no sentido mais básico: tem uma parcela grande da população com uma ideia pré-concebida do que é o cinema nacional, mesmo sem ter visto muita coisa, ou mesmo sem nunca ter visto qualquer filme brasileiro. As frases costumam ser as mais esdrúxulas e genéricas, do tipo “filme brasileiro é tudo igual, uma porcaria”, “cinema brasileiro não presta”, noções que são absurdas por si só: é inconcebível que um cinema que realiza no mínimo 120 a 150 longas-metragens por ano possa ser “tudo igual”. E o que notamos é que isso costuma partir de um público que consome telenovelas, sem se perguntar se aquilo “é tudo igual”, ou que tem um repertório de cinema nacional que não sai do básico, de comédias abestalhadas ou dramas biográficos. A riqueza do cinema nacional é justamente sua pluralidade e sua originalidade, o que faz com que a primeira reação seja de estranheza, justamente por ter personalidade própria. Quanto ao cinema fantástico em geral, as altas bilheterias de filmes estrangeiros de horror e ficção científica já se encarregam de demonstrar na prática de que não há preconceito contra esse tipo de filme.

 

Darkflix: Quais as maiores dificuldades hoje para se produzir terror no país?

Primati: Todas possíveis, mas isso não se restringe ao terror, são problemas da produção audiovisual como um todo. O problema começa com a falta de dinheiro, mas isso pode ser contornado com criatividade, já que o terror é notório por ser um gênero que se reinventa em produções de baixo orçamento. Portanto, é possível produzir com pouco dinheiro, mas então se esbarra na falta de distribuição, que só se complica no cenário atual, com as telas quase que totalmente ocupadas por filmes da Disney/Marvel e DC. A vida possível do cinema brasileiro são as plataformas de streaming, e é nesse mercado que esses filmes precisam investir, e isso não é de hoje.

 

Darkflix: Tivemos muitos lançamentos de filmes de terror nos últimos anos, é seguro afirmar que o gênero vive uma profusão com maior rentabilidade mesmo com filmes estrangeiros ocupando o maior número de salas de projeção?

Primati: Em termos geral, de mercado, o terror historicamente vive breves ciclos de popularidade, geralmente puxado por algum filme de grande impacto e visibilidade, para em seguida retornar a um imerecido gueto. Foi assim no começo e metade dos anos 1970, com “O Exorcista” e “Tubarão”, depois nos anos 80 com “Poltergeist”, nos anos 90 com “Drácula”, mais tarde com “O Sexto Sentido”, e assim por diante. No entanto, o cinema nacional ainda não consegue ter a visibilidade que merece; muitos filmes excelentes estão sendo feitos nos últimos anos, eles são muito bem aceitos pelo público (principalmente em festivais) e geralmente têm cobertura favorável da crítica, mas o preconceito de uma parte grande do público ainda é um obstáculo. Porém, alguns desses filmes fazem sucesso no mercado estrangeiro. A conectividade das pessoas ao redor do mundo permite o acesso instantâneo a conteúdos específicos, e fica muito mais fácil o aficionado por horror encontrar os filmes que lhe interessam, da mesma maneira que o filme atinge seu público alvo. Acrescente-se a isso que milhares de filmes são realizados e despejados em plataformas, festivais e cinemas anualmente, concorrendo ainda com um gigantesco acervo de obras de décadas anteriores, de uma maneira acessível como nunca foi antes. O filme conseguir alguma visibilidade nesse cenário, por mais modesta que seja, é uma conquista e costuma cooptar o fã como um seguidor fiel daquele cineasta.

 

Darkflix: Considerando o corte de políticas públicas para o incentivo do audiovisual, você acredita que ainda sim veremos mais produções do gênero despontando no mercado? Qual o futuro do cinema de terror no Brasil?

Primati: O cinema fantástico brasileiro dos últimos anos não somente ganhou destaque a partir de filmes acima da média, como inclusive foi o melhor da produção nacional em muitas ocasiões, vencendo prêmios em festivais importantes tanto no país quanto no exterior (Rio de Janeiro, Brasília, Tiradentes, Gramado etc., e ainda Veneza, Cannes, Roterdã etc.). Com isso, certamente as produções mais caras e profissionais sofrerão um duríssimo golpe com os projetos cancelados, congelados ou recusados. Mas é um gênero no qual a inventividade conta mais do que o orçamento, e o que provavelmente veremos serão produções mais modestas que se destacarão por ideias inovadoras e inusitadas, em produções independentes, ao mesmo tempo que outros cineastas serão forçados a começar a produzir para o mercado exterior, com investidores estrangeiros, em filmes falados em inglês, para poderem bancar seus projetos. No cenário imediato, essas me parecem as ações mais urgentes para que a produção não cesse inteiramente.

 

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