Em 1973, o consagrado diretor George A. Romero foi contratado pela Lutheran Society, uma entidade não governamental, para a criação de um filme educacional que chamasse a atenção para os abusos cometidos contra idosos. A essa altura, Romero já trazia no currículo os terrores “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) e “A Estação da Bruxa” (1972), logo, os contratantes já deveriam imaginar o que viria pela frente. Entretanto, quando “The Amusement Park” foi apresentado aos membros da entidade, eles ficaram tão horrorizados que decidiram engavetar o projeto e o filme ficou perdido por mais de 40 anos.
Em 2018, Daniel Kraus, escritor e recorrente colaborador do diretor Guillermo del Toro, encontrou uma cópia da obra filmada no West View Park, Pensilvânia. Graças aos esforços da Fundação George A. Romero, responsável pelo legado do cineasta, e da IndieCollect, organização de preservação de filmes, o longa de 52 minutos foi restaurado mostrando um enredo assustador: a realidade.
“The Amusement Park” apresenta de forma selvagem e fantasiosa os desafios e pesadelos que o envelhecimento pode trazer. O enredo segue o protagonista Lincoln Maazel em um dia comum enquanto ele passeia por um parque de diversões. O filme inicia com dois Maazels idênticos conversando em uma sala branca. Um deles parece ter sido espancado e está sangrando, o outro está bem apresentável e animado para passar o dia desfrutando das delícias do parque. Ele é logo alertado por seu colega ferido para não ir lá. “Você não vai gostar”, diz ele. “Não há nada lá fora.” O Maazel vistoso e ingênuo não dá ouvidos ao aviso e sai em direção ao parque.
O personagem percebe logo que o passeio não será tão agradável, para entrar no local, todos os idosos são obrigados a trocar seus pertences mais preciosos e sentimentais por ingressos. Em um dos momentos mais perturbadores, Romero estende a metáfora sobre preconceito de idade para incluir outros grupos marginalizados, como aqueles que vivem na pobreza ou que são vítimas de racismo. Durante a cena em questão, Maazel está com fome e vai até a barraca de refrigerantes. Um homem rico entra e é imediatamente conduzido à melhor mesa, onde é muito bem servido. Maazel recebe batatas fritas e um pouco de restos de comida, antes de comer, o idoso se vira e nota a longa fila com outros anciãos, incluindo grupos minoritários que não recebem comida nem um assento em qualquer mesa. Furioso com a injustiça, Maazel dá as boas-vindas a todos eles e compartilha a refeição, mas infelizmente não há comida suficiente para todos.
Romero força o espectador a assistir impotente enquanto o senso de identidade de Maazel e seu lugar na sociedade são sistematicamente destruídos. No final de “The Amusement Park”, o protagonista não é mais considerado um indivíduo, mas carrega apenas um rótulo desumanizante e etário: “idoso”. Por 53 minutos, o espectador experimenta a sensação de total impotência que muitas vezes acompanha o envelhecimento. A tarefa de Romero era fazer um curta-metragem educacional e ele acabou criando uma tragédia humana repleta de horror.
Considerado uma lenda do cinema, Romero reinventou o subgênero “Zumbi” com o seu aclamado longa “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968). O cineasta retornou várias vezes ao tema em outras produções, como “Despertar dos Mortos” (1978), “Dia dos Mortos” (1985), “Terra dos Mortos” (2005), “Diário dos Mortos” (2007), e “A Ilha dos Mortos” (2009). Mas suas obras não se limitam aos mortos-vivos. Romero também levou vampiros para a tela dos cinemas, com “Martin” (1977), bruxas em “A Estação das Bruxas” (1972), monstros de histórias em quadrinhos em “Creepshow” (1982), um macaco assassino em “Instinto Fatal” (1988), além de personagens baseados nas obras de Edgar Allan Poe, em “Dois Olhos Satânicos” (1990) e de Stephen King em “A Metade Negra” (1993). Romero faleceu em julho de 2017, aos 77 anos em decorrência de um câncer de pulmão.
Por hora, “The Amusement Park” está disponível na plataforma de streaming da AMC, liberada somente na América do Norte, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.