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Os sofisticados e sombrios filmes do produtor Val Lewton

Quem é fã raiz do cinema de horror já está familiarizado com o nome Val Lewton, o produtor cujos filmes de baixo orçamento para a RKO praticamente inventaram a linguagem cinematográfica do horror atmosférico. Trabalhando com os diretores Jacques Tournier, Mark Robson e Robert Wise, Lewton criou filmes que usavam sombras e a sugestão para contar histórias tensas de terror psicológico e repressão sexual.

 

O produtor Val Lewton / Imagem: Reprodução

Em 1942, a RKO Studios contratou Lewton para produzir uma série de longas-metragens de terror. O estúdio queria competir com os filmes de monstros da Universal, como “Frankenstein”, “Drácula” e “O Lobisomem”. Porém, antes de fecharem um acordo, a RKO impôs algumas condições. A empresa passava por problemas financeiros, desta forma a primeira questão se referia aos orçamentos das obras. Cada filme receberia uma verba de US$ 150 mil, os títulos estariam pré-atribuidos e o salário de Lewton seria de apenas US $ 250 por semana. Em contrapartida, ele teria liberdade artística para produzir as histórias. O escritor aceitou todos os termos e ao longo de quatro anos produziu nove filmes para a RKO.

O primeiro foi “Sangue de Pantera” (1942), um sucesso de bilheteria que salvou a RKO da falência. Na sequência vieram “A Morta-Viva” (1942), “O Homem-Leopardo”, (1943), “A Sétima Vítima” (1943), “O Navio Fantasma” (1943), “A Maldição do Sangue da Pantera” (1944), “Ilha dos Mortos” (1945), “O Túmulo Vazio” (1945), culminando em “Asilo Sinistro” (1946).

Apesar dos sucessos de seus filmes, a carreira de Lewton não durou no estúdio. Com o fim da segunda guerra e após a morte de Charles Koerner – um dos executivos que lhe dava carta branca – a RKO preferiu dispensá-lo, alegando que ele era especialista em um gênero que já estava no fim. Val Lewton fez apenas mais três filmes antes de morrer de ataque cardíaco em 1951, aos 46 anos. Em seu funeral, o ator e amigo Alan Napier, culpou a indústria cinematográfica por sua morte prematura. O escritor sempre teve que lutar pelo o que quis, sempre esteve em guerra com seus chefes e nunca ficou satisfeito com suas realizações, a longo prazo isso teve peso no declínio de sua saúde.

Para quem quer conhecer melhor a obra do produtor, ranqueamos os filmes feitos para a RKO de acordo com seu efeito geral e sucesso alcançado com o público e crítica. Acompanhe:

 

9) O NAVIO FANTASMA (The Ghost Ship)

Apesar do título, o longa não apresenta elementos sobrenaturais no enredo. Ele aposta no mistério para contar a história do Capitão Will Stone, que aos poucos parece perder razão, e de sua tripulação em alto mar. Contratado como terceiro oficial, Tom Merrian embarca no navio Altair e logo conhece seu Capitão, que a princípio vê como um amigo. Porém, no decorrer dos dias, estranhas mortes “acidentais” acometem membros da tripulação. Aos poucos, Merrian começa a suspeitar de Stone e de seu comportamento obsessivo e autoritário. O oficial tenta alertar os demais companheiros, mas passa a ser ameaçado por seu superior.

O longa apresentou bom desempenho nas bilheterias, mas pouco depois de seu lançamento foi retirado de circulação. Lewton foi acusado de plagiar a história de um manuscrito que ele recebeu para análise. O produtor perdeu o processo movido por Samuel R. Golding e Norbert Faulkner, e o filme permaneceu indisponível por 50 anos. Após esse período, os direitos autorais não foram renovados e em meados nos anos 1990, a obra entrou em condição de domínio púbico.

 

8) A MALDIÇÃO DO SANGUE DE PANTERA (The Curse of the Cat People)

“A Maldição do Sangue de Pantera” surgiu como uma sequência do sucesso lançado dois anos antes: “O Sangue da Pantera”. O lucro gerado no primeiro filme despertou o interesse da RKO em uma continuação e Val Lewton foi pressionado a criar o longa.  A produção do filme foi conturbada. A história que Lewton havia idealizado não se referia a uma continuidade do primeiro filme e ele precisou adaptar o enredo. Além disso, o diretor original precisou deixar o projeto e Robert Wise assumiu a função (estreando na direção). Wise teria uma carreira promissora no cinema com filmes como “O Dia Em Que a Terra Parou” (1951), “Desafio ao Além” (1963), “O Enigma de Andrômeda” (1971) e “Jornada nas Estrelas – O Filme” (1979). A obra manteve alguns personagens e trouxe a atriz Simone Simon mais uma vez no papel de Irina Dubrovna.

Na trama, Amy, filha de Oliver e Alice Reed, é uma menina de seis anos com uma grande imaginação. A criança vive sonhando acordada e tem dificuldade em diferenciar a fantasia da realidade. Sem colegas da mesma idade, a garota faz amizade com Julia Farren, uma atriz senil e solitária e com Irina, uma mulher que ela reconhece de uma antiga fotografia. Trata-se da primeira esposa de seu pai, já falecida.

 

7) O HOMEM-LEOPARDO (The Leopard Man)

O diretor Jacques Tourneur foi pioneiro do subgênero habituado a explorar serial-killers psicopatas. Em “O Homem Leopardo”, há uma sensação indelével de pavor por conta da sugestão. As mortes acontecem sem a necessidade de exposição. Na trama, uma onda de assassinatos atinge uma pequena cidade do Novo México logo depois que o dono de uma boate perde o leopardo que comprou para atrair clientes. As vítimas sofrem feridas profundas que parecem ocasionadas pelas garras do animal. Mas, logo os moradores começam a desconfiar que a fuga do felino pode ser a desculpa perfeita para alguém que tem prazer em matar.

A obra não alcançou o mesmo patamar dos melhores filmes de Lewton, mas o uso do tema serial-killer e as fantásticas cenas de terror fazem de “O Homem-Leopardo” um longa obrigatório, principalmente por mostrar grande empatia por personagens oprimidos, algo recorrente nos filmes do produtor.

 

6) O TÚMULO VAZIO (The Body Snatcher)

O filme “O Túmulo Vazio” é baseado no conto “The Body Snatcher”, do autor escocês Robert Louis Stevenson, que por sua vez se inspirou na história real de William Burke e William Hare, dois ladrões de corpos do século XIX, que se tornaram os assassinos em série mais famosos da Escócia. Dirigido por Robert Wise, o longa foi responsável por unir pela última vez nas telas os astros do terror, Boris Karloff e Bela Lugosi. A princípio, Lewton não ficou contente com a ideia de trabalhar com Karloff, pois ele o considerava um “bicho-papão” do cinema. A impressão do produtor mudou quando soube que o ator estava farto dos filmes que estava fazendo na Universal. Os dois se tornaram amigos quando perceberam que possuíam objetivos semelhantes em relação ao tipo de filme que queriam fazer. Em uma entrevista dada em 1946, intitulada “Farewell to Monsters”, Karloff contou sobre o grande amor e respeito que tinha por Lewton, dizendo que o produtor “o resgatou dos mortos, restaurou sua alma”.

No longa, Karloff entrega à Lewton uma de suas melhores atuações como o ladrão de corpos, que fornece cadáveres para o respeitado médico, Dr. Macfarlane.

 

5) ASILO SINISTRO (Bedlam)

“Asilo Sinistro” foi inspirado na obra “The Madhouse”, oitava e última pintura da série “A Rake’s Progress”, criada entre 1732 e 1734, pelo artista plástico William Hogarth, que inclusive recebeu créditos no filme como roteirista. A produção também mostra de forma ficcional os horrores vividos pelos pacientes do Hospital Bethlehem, infame asilo mental popularmente conhecido pelos londrinos como “Bedlam”, título original do longa. Ambientada em Londres, no século 18, a trama se concentra em eventos ocorridos no St. Mary’s of Bethlehem Asylum, local administrado por George Sims (personagem baseado em John Moro, médico chefe de Bedlam, brilhantemente interpretado por Boris Karloff). Quando a jovem Nell Bowen se interessa pelas condições do notório hospital, fica mortificada ao testemunhar o tratamento que os pacientes recebem. Decidida a transformar o manicômio para dar uma vida digna aos pacientes, Nell procura a ajuda de um político e coloca em risco as práticas corruptas de Sims. Antes que perceba, ela se torna vítima de uma conspiração orquestrada pelo médico e é internada na cruel instituição. “Asilo Sinistro” foi o último sucesso de Val Lewton na RKO e a terceira e última colaboração entre Boris Karloff e o produtor.

 

4) A SÉTIMA VÍTIMA (The Seventh Victim)

Em “A Sétima Vítima, Lewton apostou na criatividade de Mark Robson (cuja os trabalhos se assemelham às obras de Jacques Tourneur), para assumir a direção do filme.  Com uma trama que envolve temas polêmicos como o suicídio e o satanismo, o longa conta a história da ingênua Mary Gibson. Após descobrir que Jacqueline, sua irmã mais velha, está desaparecida, a jovem deixa o colégio interno e segue para Nova York a fim de encontrar pistas do paradeiro de sua irmã. Mary então conhece Gregory Ward, seu cunhado e o misterioso psiquiatra Dr. Louis Judd, que alega conhecer o paradeiro de Jacqueline. O que a estudante ainda não sabe é que a irmã se envolveu com um grupo satânico que quer eliminá-la por ter revelado sua existência.

Antes da produção de “A Sétima Vítima”, Lewton recusou o convite de fazer um grande filme quando foi informado que não poderia contratar o diretor que tinha em mente: Mark Robson.

 

3) A ILHA DOS MORTOS (Isle of the Dead)

Desta vez, Lewton se inspirou visualmente na pintura “Isle of the Dead” (Ilha dos mortos, em tradução livre) de Arnold Böcklin para criar sua obra homônima. A famosa pintura já havia sido evocada pelo produtor em algumas cenas de “A Morta-Viva”. Desta vez, usando o quadro como pano de fundo, o produtor criou um conto sobre um grupo de pessoas em quarentena em uma pequena ilha durante a Guerra dos Balcãs, ocorrida entre 1912 e 1913. “A Ilha dos Mortos” foi o segundo longa-metragem que Boris Karloff fez para Lewton. Os cabelos brancos e encaracolados do ator lhe deram uma aparência menos assustadora do que a habitual para viver o General Pherides, um militar autoritário, que responde pela alcunha de “Cão de Guarda”. Pherides se vê preso na ilha que visitava quando uma quarentena é imposta aos residentes do local. Além das dificuldades do isolamento, eles precisar lidar com a possível presença de uma lendária criatura maligna, a Vorvoloka.

 

2) A MORTA-VIVA (I Walked with a Zombie)

Em “A Morta-Viva”, Lewton fez um paralelo com o romance “Jane Eyre”, de Charlotte Bronte, adaptando algumas questões do livro a um cenário moderno no Haiti. Pesquisador ávido, o produtor leu todos os livros que encontrou sobre vodu, tradição religiosa africana, para criar o clima e o sentimento que desejava para o filme. Na trama, a enfermeira Betsy Connell é contratada para cuidar da esposa – com aparentes problemas mentais – de um poderoso proprietário de um engenho de açúcar no Caribe. Quando estranhos acontecimentos têm início, Betsy percebe que há algo além no diagnóstico de sua paciente. Obcecada em ajuda-la, a enfermeira decide procurar os nativos do local no intuído de buscar ajuda espiritual.

 

1) SANGUE DE PANTERA (Cat People)

“Sangue de Pantera” foi o primeiro longa que Lewton produziu para a RKO Studios. Para a direção ele escolheu o francês Jacques Tourneur, que também dirigiu os seus dois filmes seguintes, “A Morta-Viva” e “O Homem-Leopardo”. Realizado com um orçamento de US$ 134 mil, o filme arrecadou cerca de US$ 4 milhões e se tornou a maior renda do estúdio daquele ano, salvando-o de uma eminente falência. Na história, acompanhamos a jovem Irena Dubrovna, uma estilista sérvia que vive em Nova York. Após se casar com o arquiteto Oliver Reed, Irena acredita que seu matrimônio está ameaçado por uma antiga maldição que cai sobre as mulheres nascidas em sua terra natal. Como suas ascendentes, ela crê que irá se transformar em uma pantera assim que vivenciar sentimentos intensos de paixão, raiva e ciúmes, colocando a vida de outras pessoas em risco. Para ajudá-la, Oliver contrata um psiquiatra a fim de entender o que está causando tais pavores. Seria a maldição real? “Sangue de Pantera” é um terror psicológico urbano e intimista, em que o medo é muito mais sentido e imaginado do que visto. Um estilo usado em todos os filmes posteriores de Val Lewton.

 

 

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